Por Elisabeth Mamede
Quem disse que tecnologia não é coisa de mulher? Essa é uma mentira que, de tanto ser repetida, parece verdade. Os números mostram a consequência: apesar do interesse de 74% de meninas na escola por áreas como Engenharia, Ciências e Matemática, apenas 0,4% delas escolhem Ciência da Computação.
Existem algumas hipóteses que podem explicar essa triste realidade. Para algumas mulheres, o desafio começa bem antes. Existe uma série de barreiras antes mesmo de elas tentarem aprender a técnica.
Eu acredito que muitas vezes faltam exemplos que possam nos inspirar e sobra preconceito para entrar neste meio, o que reforça a ideia que tecnologia é um campo para homens e que nós não vamos conseguir nos dar bem nele.
O que eu acho mais grave é que esse reforço negativo é feito de forma não intencional em muitas das vezes, a começar na nossa infância. Por exemplo: quando os pais escolhem dar de presente o videogame para os meninos e não para as meninas, quando escolhem montar o computador no quarto do irmão e não da irmã.
Essas atitudes são inconscientes, mas podem ser o pontapé para construir uma ideia que a tecnologia é uma área masculina.
Um dia nós fomos maioria. Por que não somos agora?
Você sabia que, na primeira turma de formandos em Ciências de Computação da USP, a maioria era de mulheres? Por que isso foi mudando ao longo dos anos?
Independentemente de ser homem ou mulher, se você passou por uma universidade ou um curso técnico nessa área, é possível que você tenha vivido a realidade de ver a turma começar com uma equidade de gênero e, no primeiro semestre, mais da metade das mulheres abandonar o curso porque não conseguiu se encontrar ali naquele meio.
Eu passei por isso. Vi muitas amigas saindo do meu curso e escolhendo outras áreas por acharem que não dariam conta. Eu penso nisso e tento entender por que nós deixamos esse pensamento vir à tona a ponto de ser um fator de decisão.
Muitas vezes me questiono que, se faltam inspirações, o que eu posso fazer para tentar mudar essa realidade? Porque eu sei que sou capaz e que qualquer pessoa é capaz.
Mulheres marcaram a evolução da tecnologia
Mostrar as mulheres pioneiras que hoje são referência em tecnologia é uma forma de inspirar. Por isso, eu trouxe alguns ícones da evolução que tivemos ao longo dos anos.
Ada Lovelace
Ela foi a primeira pessoa a escrever um algoritmo que pôde ser processado por uma máquina. Ada foi reconhecida depois de muitos anos e hoje ela é lembrada com celebrações. Existe um dia, o Ada Lovelace Day, na segunda terça-feira de outubro, que visa incentivar as mulheres a avançarem em matemática e ciência. Detalhe: foi sua mãe quem a estimulou a estudar matemática é lógica.
Grace Hopper
Foi almirante e analista de sistemas da marinha dos EUA. Foi ela quem inventou o termo “bug”: ela estava com um problema no computador e, ao investigar, descobriu que tinha um inseto (bug em inglês) morto dentro dele. Ela também criou a extinta linguagem de programação Flow-Matic, que serviu como base para a criação do COBOL (Common Business Oriented Language) – usado até os dias de hoje em processamento de bancos de dados comerciais.
Mary Jackson
Foi uma matemática e a primeira engenheira aeroespacial da Nasa. Ela conseguiu alavancar sua carreira mudando seu status de matemática para engenheira. Criou grupos de mentoria para mostrar o que pessoas de grupos de minoria precisavam fazer para também conseguirem essa promoção.
Mulheres que marcam HOJE a tecnologia
Muitas vezes, quando queremos citar mulheres que da tecnologia, lembramos somente daquelas que fizeram história no passado. Mas temos muitas que estão fazendo a diferença no presente. Vamos a algumas:
Nina Silva
Fundadora do movimento Black Money, ela também é uma executiva de TI e uma das 100 mulheres afrodescendentes com menos de 40 anos mais influentes do mundo. Uma curiosidade é que ela é formada em administração, mas construiu sua carreira em TI porque se identificou com essa área.
Tania Consentino
Presidente da Microsoft Brasil. Quando ela assumiu esse cargo, seu maior desafio era liderar o avanço da inteligência artificial e machine learning no Brasil. Inclusive, o machine learning é uma área em que muitas mulheres têm se encontrado.
Ana Paula Assis
Primeira mulher a ocupar o cargo de gerente geral da IBM para a América Latina, ela é muito focada na pauta de diversidade e inclusão. Tem alguns posicionamentos de certa forma polêmicos. Um deles é que inclusão deve ser tratada como negócio para que possa funcionar e que, de fato, seja alavancada dentro da empresa.
Camila Achutti
Ela se destaca na área de empreendedorismo por ser dona de startups. É formada em Ciências da Computação e foi selecionada pela Forbes como um dos cinco talentos brasileiros em tecnologia com menos de 30 anos e citada como uma das 100 líderes do amanhã.
Loiane Groner
Referência em desenvolvimento Java, tem mais de 14 anos de experiência em tecnologia. Ela trabalha como engenheira de software nos EUA, é palestrante, escritora de livros super recomendados e criou cursos que estão entre os mais vendidos. Além disso, possui diversas certificações, inclusive pela Google, Microscoft e Oracle.
Dani Monteiro
Referência mundial em banco de dados, mestre em Engenharia de Computação, speaker do TED, primeira mulher a palestrar no MongoDB World (New York), instrutora oficial do LinkedIn e possui um blog dedicado a ensinar sobre banco de dados.
Daniela Petruzalek
Engenheira de software especializada em engenharia de dados, é desenvolvedora back-end, também reconhecida pela Google e palestrante do TED. Representatividade é uma bandeira importante, porque é uma mulher transgênero que conquistou um espaço e respeito que faz valer à pena conhecê-la.
Com exemplos tão fortes, por que ainda somos minoria?
Se temos tantas mulheres de destaque em tecnologia, fica claro que o problema não é a falta de habilidade e interesse. O que precisamos é rever nossa narrativa e nossos conceitos culturais sobre o que uma mulher pode ou não fazer.
Para mudar esse cenário, precisamos dar passos simples. Eu sugiro alguns:
1- Busque inspiração em mulheres. Enriqueça seu repertório de conhecimento aprendendo com elas.
2- Busque contribuir para ambientes e empresas mais diversas e inclusivas.
3- Participe de comunidades. Elas ajudam a unir e acolher grupos minoritários.
4- Se não puder participar, ajude a divulgar iniciativas.
Benefícios
A diversidade promove um time mais criativo, proporciona ambientes mais acolhedores, colaborativos e com resultados mais consistentes, leva a novas perspectivas que favorecem a inovação. Além disso, reflete diversidade ao público, ou seja, o cliente se sente representado, e dá oportunidade para que pessoas de diferentes contextos possam aprender umas com as outras.
Estamos construindo um mundo onde todas as mulheres podem prosperar em tecnologia. Vamos juntos?
Elisabeth Mamede – engenheira de software na TQI